Edição #30 - Imprudente, mas com bom coração
Por que não transformar uma quase tragédia (dramática) em história?
Uma segunda-feira atípica de um encontro de amigos. Lua crescente, um bar em frente à praia, muito papo, risadas e até choro. No final da noite, decidimos rachar um Uber pra retornar para casa. Normal.
O motorista, talvez nem tanto. Os primeiros segundos que sucederam o nosso “Boa Noite” foram suficientes para um alerta interno gritar: prezem por suas vidas. Quem é de rezar, reze.
Apertamos os cintos e nos esforçamos para seguir conversando em busca de distração para não pensar na morte. Quem sabe a morte também não estaria distraída com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Há quem tenha feito muita oração de proteção.
Esse motorista, que o nome não devemos revelar, não vive no mesmo mundo que nós. Ele tem seu próprio mundo, completamente fora da casa. Não sei dizer a idade dele, mas pelo cocuruto e pela voz, não parecia ser alguém muito mais velho. Porém, suas histórias mostram o contrário. Em menos de 30 minutos sabíamos que ele era originalmente de Copacabana, na verdade morou na mesma rua de um dos destinos, o meu no caso, no prédio número 50. Ele nunca bebeu em sua vida, pois de acordo com ele:
- Não tenho paladar pra bebida.
Em pensamento pensei que ele poderia estar bêbado, mas aparentemente o motorista leu a minha mente e respondeu em voz alta. E ele seguiu:
- Mas minha mãe bebe, ela tem paladar pra bebida. Já meu pai, não.
Diz ele que dirige há 40 anos, mas como?
Andamos em alta velocidade, avançamos todos os sinais, fazendo curvas em plena Niemeyer como se não houvesse amanhã. O banco dele estava torto e dirigia quase na diagonal. Ele olhava pra trás para dar mais detalhes de sua vida. Era quase um Forrest Gump. Ou Jesus Cristo disfarçado.
Paramos em uma Lei Seca, e como se não pudéssemos mais esperar nada, ele compartilhou que era ex-PM. Como? Talvez eu tenha entendido errado. E foi além, refletindo em voz alta sobre como a abordagem policial solo é errada, pois a qualquer momento ele poderia ser surpreendido por um carro com bandidos armados com fuzil. Juro.
Confessei mais tarde que vi a morte de perto e já imaginava Frank Sinatra cantando “That’s Life”.
Chegamos a conclusão que não poderíamos dar 5 estrelas para o Forrest, mas poderíamos escrever algo como: Imprudente, mas com bom coração. De acordo com a minha amiga, apesar de tudo, ele tem bom coração já que nos esperou entrar em casa para poder partir, então acredito que essa seria uma avaliação justa. Precisamos alertar possíveis futuros passageiros que prezam por suas vidas.
O que parecia um retorno tranquilo na madrugada, se tornou um pico de adrenalina.
Ufa, sobrevivemos para contar essa pequena história.
Não foi a primeira vez que quase morri em um Uber, mas a outra história fica para um próximo Viajando.
🤏🏼 Petit Viajando : Nunca nos conhecemos #01
Inspirada por uma página que sigo há anos no Instagram, comecei a criar histórias para estranhos que foram fotografados por mim de forma aleatória ou consciente nos últimos 10 anos ou mais. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Paulo ama dias de chuva. Ele enxerga beleza na melancolia que a chuva traz. Pelo menos era isso que ele respondia quando perguntavam o porquê de ficar parado por tanto tempo debaixo de chuva. O cheiro de terra molhada. O barulho de chuva batendo no solo. As plantas cheias de gotículas. A sensação quando os pingos tocam a sua pele agora enrugada, às vezes os cílios, quando pego de surpresa. Paulo sempre carrega o guarda-chuva. Sempre. Paulo foi casado por 50 anos com Maria. Eles se conheceram no colégio, no primeiro ano do científico, como chamavam. Desde lá, nunca mais se desgrudaram. O filme favorito do casal era “Cantando na Chuva” e, sempre que assistiam, Paulo se sentia o próprio Gene Kelly, assim como Maria era Debbie Reynolds. Fãs de musicais. Desde que Maria faleceu, há alguns anos atrás, Paulo aguarda seus dias de chuva. É como se ele e Maria se reencontrassem. Como dizem por aí: O que é o luto, se não o amor que perdura.
De Boca no Mundo 🗣️🌎
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