Edição #37 - Meu vizinho escritor
Talvez você esteja pensando: lá vem ela com mais uma história de vizinhos.
Sim, venho com mais uma história aleatória de um vizinho. Para que vocês compreendam, o meu prédio é pura história. É um edifício construído em 1957 e, foi considerado na época um projeto arquitetônico moderno. E, de fato, é uma construção curiosa porque são ao todo 175 apartamentos, sendo 75 no bloco A e 100 no bloco B, e os projetos dos apartamentos são diferentes. No mesmo prédio, você encontra apartamentos com 4, 3 ou 2 quartos, com a possibilidade de 1, 2 ou 3 apartamentos por andar. Estou até parecendo corretora, mas é só para dizer que temos uma grande diversidade, uma flora vasta, várias gerações nesse condomínio e, por isso, muitos personagens. Talvez eu devesse escrever um livro só de crônicas dos meus vizinhos.
Bom, hoje eu vou escrever sobre o meu vizinho escritor do bloco A, ou melhor, pelo menos eu acho que ele é escritor. Eu acordo bem cedo, normalmente quando o sol não nasceu ainda e, sempre que estou descendo as escadas do meu bloco na direção da saída, a janela desse senhor chama a minha atenção. O primeiro motivo é que é um dos poucos apartamentos com a luz acesa e, o outro, é que não só a luz está acesa, como existe vida na madrugada.
Toda vez tem um senhor sentado próximo à janela, escrevendo em seu computador de forma obcecada. E ele me parece uma figura bem clichê, um cara com barba por fazer, de óculos, fumante. Uma mesa de madeira, uma luz mais baixa, um computador velho, e mais, às vezes ele anda de um lado para o outro parecendo ansioso. No meu imaginário, ele está com a cabeça a mil, pensando no que escreveu e ainda vai escrever. Fiquei pensando que tipo de história ele escreve. Será que é ficção, histórico, biografia ou autoajuda? Será que é livro erótico? Na minha cabeça, imagino algo como romance policial, algo meio Sherlock Holmes, mas meia bomba. Coitado, nem conheço o trabalho dele. Quer dizer, suposto trabalho dele. Pode ser que ele escreva por hobby, ou até tenha uma newsletter. Pode ser que ele só esteja se comunicando com os filhos que moram do outro lado do mundo, no Japão, ou talvez ele esteja no OnlyFans e eu criei toda uma história para ele.
Peço desculpas ao vizinho que supostamente é escritor.
🤏🏼 Petit Viajando : Nunca nos conhecemos #08
Inspirada por uma página que sigo há anos no Instagram, comecei a criar histórias para estranhos que foram fotografados por mim de forma aleatória ou consciente nos últimos 10 anos ou mais. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Quando era criança, Matteo sonhava em ser bardo. Vivia lendo as revistinhas de Asterix e Obelix com sua mãe, Aurora. Dentre todos os personagens, Assurancetourix, o bardo das histórias, por mais chato que fosse, sempre chamava sua atenção e despertava um certo fascínio. O cara tinha uma harpa, quem não quer uma harpa? Matteo não aprendeu a tocar harpa, mas resolveu que teria todas as habilidades de um bardo de respeito. Ele cria versos, faz canções e conta histórias como ninguém. Tudo isso, na sua gôndola. Quando entendeu que não poderia ser bardo, já que ficou, digamos meio “démodé”, ele decidiu que seria gondoleiro, pelo menos na primeira parte do dia. Ele conhece gente do mundo inteiro e tudo, TUDO, que você possa imaginar já aconteceu dentro de sua gôndola. Afundamentos, brigas, términos, inícios, crises de choro, situações escatológicas, filmagens de Hollywood e partos (sim, partos). Enfim, muita coisa. Na semana passada, fez um passeio com um jovem casal americano que pediu para ele cantar uma música bem romântica já que estavam comemorando 5 anos de namoro. Matteo ficou eufórico, encheu o peito de ar e ensaiou o início de “Con Te Partirò” de Andrea Bocelli. Quando chegou na parte de “Se non ci sei tu con me, con me”, a moça interrompeu e disse: Conhece “Love Story” da Taylor? Matteo respirou, contou até três e soltou: “We were both young when I first saw you...” Conflito geracional e cultural.
Foto: Veneza, 2015.
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