Edição #38 - A presença da ausência
A ausência nos faz lembrar daquilo de que sentimos ou podemos vir a sentir falta. Já a presença é meio que essencial para sabermos aquilo que queremos e sabemos que vamos sentir falta. A intraduzível saudade. Amo a palavra saudade. Como soa, como falamos, como escrevemos, mas talvez um tanto mais porque é algo só nosso. Não sei se posso dizer o mesmo a respeito de sentir saudades. A saudade pode ser gostosa como, por exemplo, quando ansiamos pelo encontro, e então sabemos que pode ser preenchida. É temporária. Mas a saudade pode ser dolorosa também, quando aquela presença talvez se ausente por tempo demais, por tempo indeterminado, ou talvez para sempre, dentro do sempre que conhecemos.
A ausência só existe por conta da presença? Para sentir a ausência é necessário sentir a presença, e vice-versa? Se não se nota a presença, não há ausência? Como é possível sentir a ausência ou saudade de quem não se nota a presença, ou não se faz presente? Há também aqueles que mesmo presentes são ausentes. Nunca estão. E tudo fica mais complexo quando a ausência é tão presente que não conseguimos esquecer, preencher.
É possível sentir a ausência de algo ou alguém que nunca foi presença? Talvez a ideia de presença crie a saudade de uma ausência, mas neste caso é só uma ideia. Não é real, mas de que forma o corpo humano diferencia aquilo que seria real do imaginário, inventado, construído? Já que a partir de uma ideia é possível sentir. Sentimentos e emoções que são geradas a partir de ideias fazem com que as ideias se tornem reais? Tá, talvez isso fique para outro texto.
Como se preenche as ausências? Com novas presenças? Ou nosso corpo entende que a ausência seguirá sendo ausência? Um “buraco” com qual aprendemos a lidar. E talvez, quem sabe, se tivermos sorte, o tempo faça com que a ausência se apequene ou desapareça. É possível disfarçar as ausências com outras grandes presenças. Presenças tão maiores que as ausências, que talvez elas nem sejam lembradas.
E quando nós somos as presenças e ausências? Quando somos ausentes mesmo presentes. Ou quando nos fazemos presentes e mesmo assim não é o suficiente? Aos olhos dos outros, seguimos ausentes. Ou pior, indiferentes. Talvez o grande lance esteja na diferença. A relevância da presença.
Não sei se faço sentido nesse momento, mas poderia seguir em uma reflexão que pode ser que não tenha fim ou conclusão.
Já fui e sou presença e ausência para alguns. Para alguns escolho ser presença, para outros ausência, já deixei de ser presença e virei ausência, assim como já deixei de ser ausência para me tornar presença. E um pouco de ausência na presença pode ser saudável, necessário. Bom, eu levo comigo presenças e ausências também. Algumas conscientes e outras nem tanto.
Enfim, como diria Chacrinha: estou aqui para confundir e não explicar.
🤏🏼 Petit Viajando : Nunca nos conhecemos #09
Inspirada por uma página que sigo há anos no Instagram, comecei a criar histórias para estranhos que foram fotografados por mim de forma aleatória ou consciente nos últimos 10 anos ou mais. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Nadine não tem muita noção, mas a cada dia que passa está perdendo um pouco de sua memória. Sinais iniciais de senilidade. Estranho porque seu corpo segue disposto. Os anos de yoga talvez tenham ajudado. E, apesar dos sinais de envelhecimento, ela se sente bem. Não acredita no espelho. Com certeza, a sua cabeça está pregando peças porque aquela imagem com a qual se depara refletida no espelho não é dela não. Apesar de consciente de que a velhice é algo inevitável, resolveu adotar alguns hábitos novos para ocupar sua cabeça. Italiano todas as segundas-feiras com um professor molto bello, clarinete nas quartas - os vizinhos que lutem, sudoku todos os dias intercalando com novelas turcas, uma pausa na hora do café para se inteirar das fofocas dos famosos, e duas novas obsessões: montar quebra-cabeças de arranjos de flores e lego de cidades. As duas últimas atividades contam com a colaboração de seus dois netos, Max e Théo. Mas se tem alguém obstinada a não deixar Nadine se abater é Edith, sua parceira de caminhadas, ou melhor, de todos os momentos. Definitivamente melhores amigas. Edith faz questão de mostrar seu mundo para Nadine todos os dias, sempre curiosa, buscando novos amigos, novos caminhos, descobrindo novos cheiros, correndo atrás de pombos, deitando na grama, pulando em poças. Isso que é vida. Edith lembra Nadine a ver beleza nas pequenas coisas, ou melhor, não se deixar esquecer.
Foto: Paris, 2015.
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