OBS: Não trago dados, muito menos verdades absolutas, apenas impressões pessoais.
Estamos vivendo a era do Vale a Pena Ver de Novo, ou talvez seja isso que o mercado queira que a gente acredite, que realmente vale a pena ver de novo. E, de tanto falarmos em nostalgia - talvez para superar tempos difíceis, ou só porque gostamos de romantizar outros tempos mesmo - eis que nosso pedido é atendido. Como costumam dizer por aí: cuidado com o que deseja. A sensação que tenho é que fomos bombardeados com lançamentos ou anúncios de prequels, sequências, spin-offs e remakes de conteúdos que foram emblemáticos em uma tentativa de trazer um tempo que não volta mais.
Porém, pra mim, isso só evidencia um certo desespero do mercado. Acho que a primeira coisa que vem à cabeça é a fadiga de conteúdo, a falta de criatividade e o esgarçamento de histórias. E, inevitavelmente, enquanto público, comparamos os novos conteúdos com aquilo que foi produzido com seus originais, travando uma batalha com a nossa memória afetiva e a romantização da época que assistimos aos filmes e séries. Não digo que toda nova adaptação ou sequência será ruim, inclusive acho que podemos nos divertir em alguns casos, mas a pergunta que sempre me faço é: Precisava? Provavelmente não.
Outro ponto determinante é a economia. Os estúdios e produtores estão visando dinheiro, mas como atrair um público com poder aquisitivo menor, descrente e seletivo? Ir ao cinema virou quase um programa de luxo, pelo menos no Brasil. Não é para muitos. Além disso, os conteúdos chegam rapidamente nos serviços de streaming, e você poderá assistir no seu sofá, e fazer a sua pipoca, sem gastar R$ 100,00. Vejo as pessoas ao meu redor selecionando muito bem aqueles filmes que irão assistir no cinema, e é impressionante o número de gente que frequentava as salas de cinema semanalmente, e, atualmente, vão ao cinema 3 ou 4 vezes AO ANO. E, mesmo no caso do streaming, fico me perguntando quantos são aqueles que podem se comprometer com uma assinatura mensal? O quanto que um conteúdo será de fato determinante na assinatura do consumidor? E quem garante que esse produto irá fidelizar o assinante?
Fico pensando que existe também uma banalização dos conteúdos. É tanta coisa sendo produzida ao mesmo tempo, que as coisas se perdem, ou são esquecidas rapidamente. Posso estar equivocada, mas a impressão que tenho é que não existe mais tempo para trabalhar um produto, pois existem milhares na sequência e, afinal, tempo é dinheiro. E o tempo vai impactar em absolutamente todas as etapas de um produto, até na qualidade das histórias que são contadas. Digo até mesmo na divulgação, não há tanto tempo para promover o conteúdo, atiçar o interesse do público, explorar, digerir e repercutir as histórias. Tudo parece descartável, mais do mesmo, ou pior - uma reprodução exata do que foi produzido nos anos 90, 2000, trazendo até as mesmas problemáticas.
Parece que a instituição cinema, e quando digo cinema é o universo audiovisual, que habitava o céu, onde atores e atrizes eram deuses, e as vinhetas dos estúdios arrepiavam, se tornou um mero mortal. Perdeu seus superpoderes, se rendeu ao sistema (sendo que já faz parte dele na prática), virou só mais um no meio da multidão.
Sim, o mercado mudou, a forma de consumo mudou, tivemos uma pandemia. Fato é que os tempos mudaram e não somos mais os mesmos.
Os conteúdos eram mágicos exatamente por terem sido produzidos em suas épocas. Eram as limitações, ou melhor, superações que tornavam os filmes tão maravilhosos. E, por mais que existissem limitações tecnológicas, o filme contava com um roteiro sólido, bem escrito, com personagens interessantes. Quando assistíamos, nós nos perguntávamos: Como é possível? E sim, era possível, tão possível, que chorávamos por um E.T. que queria retornar para casa, nosso peito enchia de emoção ao ver um Braquiossauro pela primeira vez em um Parque de Dinossauros, Nossa Senhora tinha o rosto de Fernanda Montenegro, e acreditávamos que em uma galáxia, muito, muito distante, existia um ser verde pequeno muito sábio que falava coisas como ”Muito a aprender você ainda tem”. A maravilhosa suspensão da descrença.
Diante dos desafios, os estúdios e produtores devem pensar: Apesar de todas as adversidades, o que levaria o público aos cinemas? Que tipo de conteúdo faria com que alguém assinasse um serviço? A nostalgia, claro. Acertar na criança interior de cada um.
A realização e a qualidade não são mais um diferencial ou um fator de emoção. Tudo é possível. Acho que hoje o que pode me emocionar, quase que exclusivamente, seja em uma sala de cinema, ou em qualquer conteúdo, é a história. Uma história bem contada. Não precisa necessariamente de efeitos especiais, ou de uma grande produção sem defeitos, com enquadramentos milimetricamente pensados ou equipamentos X, Y, Z.
Estudei cinema pela magia, exatamente pela possibilidade de tornar o impossível possível, por uma querência de contar histórias, emocionar e causar uma conexão inexplicável com mundos e personagens. E por acreditar que o audiovisual é transformador.
Fico pensando que talvez seja necessário ressignificar o tempo e evitar comparações. Talvez seja o momento de deixarmos o passado no passado e seguirmos em frente. Nos reinventar. Voltar umas casas, focar no básico, na história, em personagens, em qualidade e não quantidade. Entendo que corremos contra o tempo, mas eu quero acreditar.
Acho que a experiência do cinema, do audiovisual, ainda reserva uma certa magia e, de qualquer forma, é uma experiência muito gostosa. Uma sala escura, uma tela enorme, um balde de pipoca e inúmeras possibilidades. Definitivamente tempo de qualidade.
🤏🏼 Petit Viajando : Nunca nos conhecemos #10
Inspirada por uma página que sigo há anos no Instagram, comecei a criar histórias para estranhos que foram fotografados por mim de forma aleatória ou consciente nos últimos 10 anos ou mais. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Aos 2 anos de idade, Chico entrou pela primeira vez em uma sala de cinema. O filme era “O Rei Leão”. Ele não se lembra do acontecimento, mas seus pais sempre contam essa história, pois desde a primeira cena, com todas as cores, e a intro de “Circle of Life”, com Lebo M cantando “Nants ingonyama bagithi baba…”, a expressão em seu rosto era de quem acabou de descobrir o mundo. Nesse momento, sem saber ainda, ele tinha se apaixonado pelo cinema. Aos poucos, enquanto descobria o mundo, foi pedindo aos pais que apresentassem mais filmes. Os pais empolgados como interesse do filho, criaram o hábito de alugar dois filmes por final de semana para que pudessem assistir juntos. Com o tempo e, conforme Chico o foi crescendo, a frequência com que faziam programas juntos diminuiu, mas não seu fascínio por filmes. Na esperança de resgatar um pouco do momento família, os pais criaram um cineclube, que começou apenas para os três. Eles apagavam todas as luzes da sala de casa, sentavam no chão, projetavam um filme - que era escolhido por um deles - na parede, com pipoca mista, refri e brigadeiro de colher. No final, eles sempre passavam horas falando sobre o filme. O cineclube foi crescendo, com a presença de amigos de Chico e pessoas da família que foram chamando mais pessoas. O cineclube cresceu tanto que virou um projeto da família. Chico está presente em todas as exibições ao ar livre, e sempre sente o frio na barriga quando um filme começa. A mesma sensação que teve de forma inconsciente, e que não esquece, quando viu “O Rei Leão” pela primeira vez.
Foto: Lisboa, 2023.
De Boca no Mundo 🗣️🌎
Novo episódio:
No episódio anterior…
Ana, curiosamente, tive uma ideia num sentido contrário lendo seu texto. Desde que existe literatura há adaptações e algumas das maiores obras literárias da história são reboots, releituras ou afins. Talvez precisemos encarar esse tema por um prisma diferente.