Na edição de hoje: Mudanças, um novo texto breve no ‘Viajando’ e uma nova história do ‘Petit Viajando’.
Perdeu a última edição? É só clicar aqui👇🏼
Lembrando que você pode acessar o conteúdo diretamente por e-mail (via assinatura sem ônus), no site, ou no app do Substack.
Nota Importante:
Querida pessoa leitora,
A newsletter “Viajando na Maionese” seguirá com publicações, porém sem periodicidade definida. Os textos serão publicados esporadicamente às quartas-feiras - para não perder um pouco da tradição.
Nos vemos de tempos em tempos!
Chegamos ao mês de março.
O carnaval se despediu. O verão está chegando ao fim e as chuvas características dessa época se aproximam. Espero que sem grandes estragos. Que venha uma água para refrescar, lavar e levar o que ficou para trás e abrir novos caminhos e possibilidades.
Como dizem por aí: o ano enfim começou.
A partir de acontecimentos recentes, conversas e reflexões, tenho pensado sobre encerramentos de ciclos e novos começos, mas não pretendo desenvolver sobre o assunto. Como disse em outra edição, as viagens estão cada vez mais escassas.
Lembrei de uma cena de “O Rei Leão”. Após reencontrar Nala, o Simba está confuso sobre os rumos que deve seguir. Continuar sua vida “Hakuna Matata” com Timão e Pumba, ou retornar para casa e assumir suas responsabilidades. Rafiki surge após a aparição de Mufasa nas estrelas, e o dialogo segue assim:
- O que foi isso? O tempo... Estranho, não acha? - Rafiki.
- Sim. Parece que o vento está mudando - Simba.
- Mudar é bom - Rafiki.
- Sim, mas não é fácil - Simba.
Eles seguem trocando algumas palavras até que Rafiki bate em Simba com seu bastão. Simba se assusta e pergunta ao macaco por que ele o machucou.
Rafiki responde: Não importa. Ficou no passado.
Simba diz: Sim, mas ainda assim, dói.
Rafiki: Sim, o passado pode doer. Mas você pode fugir dele, ou aprender com ele.
Aos trancos e barrancos aprendemos a deixar as coisas e pessoas irem. Todo início tem um fim, tudo tem seu ciclo. Tenho a impressão de que estamos sempre tentando resgatar algo do passado. Memórias. Sensações. Sentimentos. Alimentando coisas que nem existem mais porque ficamos presos ao quem fomos, ao que construímos e conquistamos ou ao que desejávamos. O tempo passa e nós também mudamos. Neste caso, nada mais aceitável que os desejos e sonhos mudem também. E mesmo assim ficamos presos ao que éramos. Parece que estamos traindo a nós mesmos - mas na realidade é só uma das tantas versões que fomos. Afinal, somos muitos em uma vida.
Como diz um trecho do artigo da psicóloga colombiana Gloria Hurtado “Cerrando Círculos” (2003) em sua coluna “Revolturas” para o jornal “El País”:
“Hay que dejar ir, hay que pasar la hoja, hay que vivir solo lo que tenemos en el presente. El pasado ya pasó. No esperes que te devuelvan, no espere que te reconozcan, no esperes que alguna vez se den cuenta de “quien eres”. No!, suelta. Con el resentimiento, al ver “tu película” personal para darte y darle al asunto, lo único que consigues es dañarte mentalmente, envenenarte, amargarte. La vida esta para adelante, nunca para atrás. Porque si andas por la vida dejando “puertas abiertas”, por si acaso, nunca podrás desprenderte de “regresar” (¿a qué?), necesidad de aclaraciones, palavras que no se dijeron, silencios que lo invadieron. ¡Si puedes enfrentarlos ya y ahora, hazlo! Si no, déjalo ir, cierra capítulos. Convéncete, que no vuelve.”
(….)
“Recuerda que nada ni nadie es indispensable. Ni una persona, ni un lugar, ni un trabajo porque cuando llegaste a este mundo lo hiciste sin ese adhesivo, por lo tanto es costumbre vivir pegado a él y es trabajo personal aprender a vivir sin él, hoy te duele dejar ir. Solo es costumbre, apego, necesidad. Pero, cierra, clausura, limpia, tira, oxigena, despréndete, sacude, suelta.”
Me parece um pouco drástico pensar que todas as pessoas sejam dispensáveis, ainda mais aquelas que amamos. Terei que discordar de Gloria, mas o texto é, em sua essência, muito interessante. Deixar de ser quem era para se tornar quem é.
Seguimos! ❤️
Nunca nos conhecemos #19
Histórias criadas para desconhecidos que fotografei aleatoriamente ou conscientemente nos últimos anos. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Reza a lenda que Raphael quase morreu em 19 de abril de 2004, nessas mesmas águas. Alguns dizem que ele morreu e foi substituído. Alguém muito parecido (apesar do rosto mais fino e nariz mais pontudo) teria roubado sua identidade e assumido seu papel logo após o ocorrido. Outros dizem que foi coisa de espírito. Mas já falaram em milagre também. E até em sereias.
Era um dia como outro qualquer. Raphael tinha acordado, como de costume, às 05h para comer seu pão com ovo e café com leite, passear com Sucrilhos, seu cachorro, alongar-se e, enfim, surfar.
Ele sempre teve intimidade com o mar. Era “praticamente um peixe” - como seus familiares diziam. Desde pequeno, parecia pertencer mais às águas do que à terra. Mas a vida insiste em surpreender. Talvez para mostrar que não se tem controle sobre nada.
Apesar de uma sensação “diferente”, Raphael entrou no mar naquele 19 de abril. Surfou uma sequência de ondas até que foi surpreendido. Arrastado. Completamente arrebatado pela força da natureza. Imprevisível, violenta e fascinante.
Ele diz que, apesar de não se lembrar do afogamento, naquele momento parecia que tinha desaprendido a nadar, e que foi seduzido até as profundezas. Quando aparentemente já não havia mais forças, sentiu uma paz - e, a partir de impulso descomunal inexplicável, foi conduzido de volta para a areia, quase sem vida.
Enfim, Raphael vive e diz que o episódio não passou de um susto, pois sempre soube o caminho de casa. Muitas histórias surgiram depois do acontecido, e a que mais gosta é que ele seria Tritão, filho do Poseidon, e não há de morrer de mar.