Edição #45 - A beleza por trás do 'The Florist Bar'
Na edição de hoje: Um nova história bem legal em “Queridos Estranhos” e mais uma tirinha de “As Aventuras de Astra”.
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Em maio de 2023 fiz uma viagem incrível pela Itália com quatro grandes amigas.
Nosso ponto de encontro foi Roma, de onde seguimos para Nápoles, a terra da famosa pizza napolitana. Não foi apenas a gastronomia que nos atraiu, Nápoles é uma das cidades mais antigas do Ocidente, e funciona como ponto estratégico para visitar Pompéia e Capri. Por fim, encerramos nossa jornada quase cinematográfica na Sardenha. Temos muitas histórias para contar, mas hoje quero compartilhar uma em especial.
Tínhamos alugado um apartamento no coração de Nápoles, e foi através de recomendações do Google, procurando por cafés nas proximidades, que descobrimos um estabelecimento pequeno, meio escondido, muito charmoso, localizado próximo ao Jardim Botânico da cidade. Posso listar os diversos fatores que me fascinaram: a atmosfera acolhedora, a simplicidade, o sabor, o atendimento atencioso e intimista, e o fato de que tudo o que era servido vinha de ingredientes cultivados pela própria dona, até o mel. Não à toa, voltamos lá para mais um café antes de seguirmos viagem. Eu e minhas amigas sempre lembramos do lugar com muito carinho. Mais de um ano se passou e continuei pensando nesse café. Foi então que resolvi procurar e entrar em contato com Stefania Salvetti, arquiteta paisagista idealizadora e dona do espaço, e descobri que o ‘The Florist Bar’ é muito mais do que um lugar encantador.


Stefania é natural do sul da Itália, estudou arquitetura e foi exercer sua profissão no exterior, passando por Londres, Suécia e outros países nórdicos. Os caminhos da vida a levaram até o “Médicos Sem Fronteiras”, onde trabalhou como construtora, além de prestar serviços de logística e no saneamento das áreas ocupadas, em vários lugares do mundo, onde quer que a ajuda fosse necessária. Foi no projeto em Nairóbi que conheceu um colega napolitano, com quem se casou dias depois. O casal seguiu pelo mundo com o trabalho humanitário, e Stefania se dedicou ao “Médicos Sem Fronteiras” por quinze anos.
Quando retornou para Nápoles, grávida da primeira filha, comprou uma casa em uma área chamada “Il Paradisiello”, que significa “O Paraíso”, onde começou a cultivar a terra e criar galinhas. Stefania tinha uma grande querência de retornar para sua cidade de origem, com o objetivo de germinar sua própria terra e contribuir com sua própria comunidade.
Esse lugar “escondido” no centro da cidade, fica atrás do Jardim Botânico, próximo à Igreja Santa Maria degli Angeli Alle Croci, e de outros pontos históricos. No século XVI, toda a área era composta por campos, mas com a construção da Igreja começou o processo de urbanização ao redor. A partir do século XVIII, Paradisiello se tornou um dos lugares mais procurados pela nobreza, que tinha como objetivo construir suas vilas para “férias” e lazer, afinal era um verdadeiro refúgio de paz no coração de Nápoles. Posteriormente, a área ainda fértil, e com um visual belíssimo, de onde é possível avistar o Vesúvio, caiu no esquecimento.
Apaixonada por plantas e jardinagem desde criança, começou a estudar sobre o assunto por conta própria. A arquiteta trabalha com agricultura biodinâmica, que é um modelo agrícola que não utiliza produtos químicos, organismos geneticamente modificados, herbicidas, ou coisas do tipo. Se assemelha a agricultura orgânica, mas é um sistema de cultivo de alimentos que se baseia em princípios da Antroposofia, a filosofia que busca compreender a relação entre o ser humano e o universo. Ela também se dedica à permacultura, que visa a criação de ocupações humanas sustentáveis e produtivas, em harmonia com a natureza.
A combinação da paixão por plantas e sua profissão de arquiteta, a fizeram se dedicar a projetos de revitalização de áreas verdes abandonadas e criação de hortas urbanas, com a intenção de ajudar na manutenção da cidade e na conscientização dos napolitanos e suas novas gerações, incentivando uma agricultura e alimentação natural.
Foi então que, a pedido da prefeitura, Stefania assumiu a gestão de alguns jardins nas proximidades, em uma área muito degradada. Com o desejo de tornar o jardim um lugar para todos, resolveu vincular o projeto de revitalização urbana a um empreendimento que pudesse movimentar e inspirar a comunidade. Assim, em 2019, nasceu o “The Florist Bar”, onde todos os ingredientes vêm das terras de Nápoles, mais especificamente cultivados em ‘Paradisiello’, e colhidos diariamente nas manhãs, o que faz com que o cardápio mude constantemente. Curiosamente, 150 degraus e mais alguns poucos metros separam “Il Paradisiello” do bar, e é o caminho que ela faz diariamente.
Ela queria um nome fácil de lembrar, que tivesse um conceito universal e associado à natureza. A ideia era explorar a relação da cultura napolitana com a ideia de cultivo de terra, mostrando os produtos maravilhosos que ela pode dar. Com o bar, ela busca levar uma perspectiva diferente e mostrar o que é possível fazer, incentivando outros empreendedores a fazerem o mesmo, pois esse tipo de negócio se faz necessário na cidade.
Conversando sobre o conceito e cardápio do lugar, Stefania contou que tinha o hábito de cozinhar com os pais aos domingos, e se considerava uma pessoa mais do sal do que do doce, pois fazia mais massas e pizzas. Quando abriu o bar, se viu fazendo bolos, com receitas criadas por ela, conforme a disponibilidade de ingredientes do jardim, combinando um conceito de comida saudável com ingredientes do Mediterrâneo. Cafés, sucos, fatias de pães artesanais com ricota caseira e mel - meu favorito - frutas secas e frescas maravilhosas, e os bolos caseiros, como o de lavanda com amêndoas e o de limão com creme – extremamente delicioso – que foge da receita tradicional, pois o creme é feito apenas com limão. Já à noite, oferece sanduíches, burratas, hummus, crudités, e coquetéis com flores comestíveis, uma especialidade da casa, e que mudam a cada estação. Para atender ao público e aproveitar seus ingredientes ao máximo, ela se tornou mixologista também.






O bar é pequeno, rústico, familiar, convidativo, e conta com mesas e cadeiras na área externa do jardim. O lugar é solar, mesmo em dias nublados. Stefania é afetuosa e é impossível não se sentir bem-vindo. As comidas simples são bem apresentadas e marcantes especialmente pelos ingredientes que são o diferencial. E a sensação que tive é que é possível estabelecer uma conexão mais profunda com a cidade através de lugares como esse. Existe uma beleza não só naquilo que é oferecido, mas na proposta do lugar.
Fui completamente surpreendida pela história da Stefania e do “The Florist Bar”. Posso dizer que concordo com a frase que diz que admiramos um prato não só pelo sabor, mas pela história que nos conta.
Que saudade dessa viagem e que lindo seu texto, Ana! Conhecendo o café da Stefania, dá para sentir que tem algo especial e cheio de cuidado em tudo o que ela serve. E agora sabendo da história, tudo faz ainda mais sentido! Eu quero muito voltar no café dela um dia!!