Edição #44 - Pretérito Imperfeito do Futuro do Indicativo
Na edição de hoje: Um texto viajante inspirado por Ziraldo, mais uma história de desconhecidos no Petit Viajando, e outro acontecimento nas “As Aventuras de Astra”.
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Tive um reencontro recente com o Ziraldo.
Nada espiritual ou sobrenatural. Por conta do trabalho acabei entrando em contato com o documentário “Ziraldo - era uma vez um menino” e me reencontrei com a história “O Menino da Lua”, publicado em 2006. Nela, ele começa assim:
“Esta história, que você vai ler aqui, quem me contou foi um menino que vive no futuro. Num futuro muito distante mesmo, o mais distante, que se possa imaginar. Para gravá-la, viajei na minha máquina do tempo particular. Quando a ouvi, o menino que vivia nesse distante futuro me contava uma história que tinha acontecido no seu passado. Conclusão: o passado desta história está também no futuro. Como nossa história já está contada mas ainda vai acontecer, me ocorreu que, para recontá-la, eu deveria usar um tempo de verbo que os gramáticos se esqueceram de criar. Os gramáticos não sabem que a gente pode viajar no tempo! Para contar histórias assim, já deviam ter criado o tempo de verbo que inventei: o Pretérito Imperfeito do Futuro do Indicativo. Não posso começar uma história que se passa no futuro dizendo, por exemplo: “Era uma vez um herói…” porque a vez ainda será. Também não posso dizer: “Nossa herói se chamava…”, porque ele ainda se chamará.”
Enfim, essa é uma viagem na maionese maravilhosa do Ziraldo que ele acaba criando um novo tempo verbal que soa bem esquisito como “Serera uma vez um herói que se chamarava…”. Resumindo, ele entendeu que não poderia seguir dessa forma e a solução que encontrou era imaginar que já estávamos no século 3000 e, assim, finalmente começa a contar a história de Zélen. Apesar de genial, não quero falar necessariamente sobre a historia do livro (que vale comprar para todas as crianças em sua vida), mas sobre o Pretérito Imperfeito do Futuro do Indicativo, as histórias de uma forma geral, e tudo que veio a partir disso.
Bom, primeiro, fiquei pensando nas partes que compõem o tempo.
O pretérito é algo situado no passado, que na gramática determina uma ação ou estado ao momento anterior do presente. Imperfeito é algo incompleto, que apresenta defeitos, e no aspecto verbal é algo contínuo, não concluído no passado. Nos dá a ideia de que é algo que se prolonga, sem um final definido. O futuro que, discordando da expressão religiosa, não pertence a Deus é o tempo adiante, algo que não foi alcançado ainda, incerto. E, por fim, o indicativo, que indica certeza, realidade, modo como traduzimos uma ação ou estado como um fato real. Combinando tudo isso, seria um passado contínuo do futuro certo. Quase uma expectativa de continuidade futura que já teria sido vivida, tipo: “Durante minha infância, ia escrevendo as ideias que um dia se tornariam as histórias que publicaria”. Enfim, achei muito divertido tudo isso.
Depois, fiquei pensando na suspensão de descrença, que é algo imputado em todos nós - espero eu, desde que nascemos. É um contrato invisível que a gente assina inconscientemente ou conscientemente para aproveitar e se conectar com qualquer tipo de obra narrativa, e entendo que esteja ligado diretamente à nossa imaginação. Assim, aceitaremos, pelo menos por um período estabelecido, o que vier: dálmatas falantes, um elefante voador, brinquedos com vida, uma escola de bruxos, histórias em uma galáxia muito distante, emoções falantes, jedis, super-heróis, elfos, hobbits, ou que estamos no século 3000, etc. É muito incrível como as crianças estão abertas a crer em absolutamente tudo, especialmente de algo vindo de uma figura de autoridade. Acredito que na adultez a gente perde essa capacidade e fica mais desconfiado (especialmente das figuras de autoridade), mas acho que a suspensão de descrença permanece. Talvez ela se torne mais seletiva? Escolhemos aquilo que vamos acreditar. As crianças estão simplesmente abertas até que começam a desconfiar, por exemplo, que o Papai Noel não existe e que o Coelhinho da Páscoa e a Fada dos Dentes são ótimas desculpas para ganhar um presentinho ou um dinheirinho.
Para encerrar, caso contrário, seguirei divagando… Sempre amei o céu, tenho um certo fascínio pelo espaço, talvez influenciada pela trilogia de “Star Wars” que assisti na infância, ou por livros como esse do Ziraldo, ou até mesmo “O Pequeno Príncipe”. Por que estou falando tudo isso? Porque acabei criando as tirinhas da Astra, que são histórias rapidinhas dessa personagem que viaja em uma nave em formato de pote de maionese pelo espaço. Fiquei pensando que uni meu hábito antigo de desenhar e meu gosto por revistinhas em quadrinhos e espaço. Mais um dia normal na minha cabeça, enfim…Espero que vocês gostem também!
Nunca nos conhecemos #14
Histórias criadas para desconhecidos que fotografei aleatoriamente ou conscientemente nos últimos anos. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Amigas desde a infância, prometeram que, sempre que possível, fariam ao menos uma viagem juntas por ano. Se conheceram no maternal e, apesar das mudanças – trabalho, amores, distâncias – conseguiram manter o contato. Nem todas continuam íntimas hoje, mas sempre que se encontram é como se o tempo jamais tivesse passado. Viveram tantas coisas juntas, colecionaram histórias, muitas delas divertidas e vergonhosas - essas são as melhores, ou piores, dependendo do ponto de vista. Quando tinham 9 anos de idade, os Backstreet Boys lançavam o álbum “Millenium”, um verdadeiro marco para elas. Assistiam aos clipes na MTV, enquanto ensaiavam coreografias, e imaginavam momentos românticos - que hoje podem se enquadrar na categoria vergonhosa. Cantavam de olhos fechados, enchendo os pulmões nos refrões, especialmente em “I Want It That Way”. E claro, disputavam com quem ficaria cada membro do grupo. A maioria queria o Nick ou o Kevin. Ninguém queria o AJ. O mesmo ritual se repetiu com os Hanson, 'N Sync, Pacey e Dawson, Jess e Dean, Ryan e Seth Cohen, Tom Cruise e Brad Pitt. Nada une ou separa tanto quanto um amor platônico nessa fase. Mas, no final das contas, foi a amizade que prevaleceu. Anos mais tarde, sempre que juntas, especialmente nas viagens, elas revivem as cantorias, da mesma forma que faziam: olhos fechados, dancinhas e muita dramaticidade.