Edição #43 - O que você fez?
Na edição de hoje: voltamos com um texto do “Viajando” e as histórias ficcionais do “Petit Viajando”. No final da edição, uma nova tirinha da Astra :)
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O Natal começou a se manifestar em outubro.
Passei por algumas lojas de decoração natalina, fui impactada por propagandas de venda de panetones antes da época, e por anúncios de filmes temáticos que chegarão em breve nos serviços de streaming e cinemas. Não sei se isso é bom, ou ruim. Eu amo o Natal, não é essa a questão.
Os telejornais não nos deixam esquecer que o ano está acabando. É quase como se não houvesse mais tempo para absolutamente nada, ou como se não existisse um novo ano inteirinho a seguir para realizar o que o ano anterior não comportou. Sei que a continuidade da nossa própria existência é incerta, mas na teoria, temos tempo. Os ansiosos que se cuidem.
Com a proximidade do fim de 2024, comecei inevitavelmente, por mais clichê que possa ser, a pensar sobre o questionamento que John Lennon, Yoko Ono e Simone nos fazem tanto na versão original “Happy Xmas (War is Over)”, quanto na versão em português “Então É Natal”.
“So this is Christmas and what have you done?”
“Então é Natal, e o que você fez?”
A música é um protesto, mas carrega em sua essência uma mensagem de paz e esperança após os acontecimentos da Guerra do Vietnã. “Happy Xmas (War is Over)” foi lançada em dezembro de 1971, mesmo ano que John Lennon lançou seu segundo álbum solo “Imagine”. Yoko é coprodutora da música e do álbum. Já Simone, lançou o álbum com a versão em português em 1995, 24 anos depois que fomos questionados pela primeira vez. Se fôssemos seguir uma tradição, em 2019 alguém teria que ter feito uma música para nos lembrar de nossas responsabilidades e feitos, mas não aconteceu. Não que eu me lembre. E pensar que mal poderíamos imaginar que nos anos seguintes o mundo passaria por uma pandemia.
Em 1971, o ano de lançamento da música original, Simone tinha apenas 22 anos, era jogadora de basquete, e tinha sido convocada pela segunda vez para o Mundial de Basquete Feminino. Ela não saiu do banco de reservas, o que fez com que desistisse da carreira como atleta. Curiosamente, o primeiro álbum dela, “Simone”, foi lançado no final do ano seguinte. Eu não sou fã da Simone e não sabia de nada disso até escrever esse texto.
Todas essas informações aleatórias em um fluxo de pensamentos ainda mais aleatório me fez refletir sobre: 1) como as coisas podem mudar, 2) no tempo e 3) no processo natural das coisas. E, pensando no micro, não no macro… Já que a pergunta pode se estender ao que fazemos enquanto indivíduo e coletivo a respeito de absolutamente tudo: o clima, a fome, os animais, as guerras, o capitalismo, etc, etc…
Em 71, eu não era nascida. Em 95, consigo dizer que tínhamos acabado de nos mudar para outro apartamento, em outro bairro, estava em um colégio novo, construindo novas amizades - alguns delas, inclusive, perduraram até a vida adulta. Desenhei muito, desfilei com a minha merendeira de “O Rei Leão”, tomei muito Chambinho e Toddynho, e foi o ano que assisti “Pocahontas” e “Pateta: O Filme” nos cinemas.
Poderia listar as coisas que fiz em 2024 e confesso que cheguei a começar a escrever, mas desisti porque 2024 só acaba quando termina. Além disso, as coisas que fiz não precisam ser compartilhadas. Só cabem a mim e aos que viveram alguns desses momentos comigo. Quase não uso redes sociais, então minha vida não está “registrada”, mas às vezes tenho impressão de que parece que a vida só acontece, ou até mesmo que a sua existência só é lembrada se houver algum registro nas redes. Quero acreditar que não passa de uma impressão mesmo.
A sensação que tenho é que aplicamos o modelo de trabalho em nossas vidas pessoais. Estamos gerenciando a vida como se fosse uma empresa. Somos uma marca, precisamos divulgar, vender, buscar lucros e ganhos, temos que cumprir metas, entregar resultados e dar check em uma lista de pendências para assim criar novas pendências e viver uma vida de constante tentativas frustradas de concluir pendências que nunca vão se esgotar. Alimentamos um tipo de vida em que o tempo e a atenção são escassas. Parte da população está enrolada, dispersa, ansiosa, deprimida, doente, cansada. Cansei.
Estou cansada do passado e do futuro. Fato é que tenho tentado viver meu próprio tempo. Observei que sempre fui acelerada e nos últimos tempos estava fazendo e resolvendo coisas como se estivesse em uma competição cronometrada, mesmo que não houvesse nenhum tipo de compromisso marcado. E, quando percebi, comecei a me perguntar: Por que estou correndo? Estou tentando ganhar tempo? Esse tempo está sendo usado de que forma? Faz sentido? Eu hein, que mundo esquisito.
E afinal, o que eu fiz? Aquilo que consegui fazer. Seguimos.

Nunca nos conhecemos #13
Histórias criadas para desconhecidos que fotografei aleatoriamente ou conscientemente nos últimos anos. Boas fotos, más fotos. Por que não?
Fred e Teca se conheceram no elevador do bloco A, do Condomínio “Horizonte Sereno”. Teca mora há alguns anos nesse condomínio. Fred se mudou recentemente. Ele, do nono andar e, ela, do sétimo. Separados apenas por dois andares. Inclusive, é possível ouvir os ensaios de piano de Teca do apartamento de Fred, e as cantorias dele no chuveiro, do apartamento dela. Teca tem o hábito de fazer torradas todas as manhãs, por volta das 7h - o aroma sempre chega no quarto de Fred. Já ele, pelas contas de Teca, faz pipoca pelo menos umas três vezes na semana, seja à tarde, ou nas sextas à noite. Ela tem escutado Gil, Lauryn Hill e Stevie Wonder. Ele, Bethânia, BaianaSystem e Manu Chao.
De certa forma, eles já se conheciam, mas nunca tinham se encontrado. Até que em uma quarta-feira à noite, se conheceram pessoalmente. Ao entrarem no elevador, eles se cumprimentaram, apertaram seus respectivos andares e, quase que instantaneamente, se olharam, como quem diz: "Ah, então é você". Teca se apresentou, e Fred retribuiu com simpatia. Coincidência ou não, começaram a se cruzar com frequência: às vezes com compras de supermercado, outras acompanhados de terceiros, de fones de ouvido, ou com mochilas e pastas de trabalho.
Fred adorava o cheiro de Teca. Teca amava o sorriso de Fred. Eles estabeleceram uma relação de elevador. Teca sempre puxava papo, Fred correspondia. Até que ele resolveu aproveitar melhor os 2 minutos de viagem que o elevador proporcionava. Faziam pequenas perguntas, trocavam fofocas do prédio, faziam graça da vida adulta, e, por vezes, seguravam a porta do elevador só para prolongar a conversa. Aos poucos, começaram a frequentar o apartamento um do outro - e, assim, a vida um do outro. Das viagens de elevador, foram para caminhadas pelas ruas do bairro, idas à padarias e cafés, cinema aos sábados, corridas aos domingos, e agora, viagens pelo mundo.
Além da leitura, gostei da tirinha! É de sua autoria? Perdi a primeira... Pode me indicar o caminho? :)
Apreciei a referência à Simone porque gosto muito dela, especialmente dos primeiros discos. "Quatro Paredes" e "Face a Face" são maravilhosos!